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3 de nov. de 2017

Aprisionamentos e fugas

 criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 03-11-2017.
Fugas, criado em 03-11-2017.

Retornemos à nossa lista dos sintomas que as pessoas atingidas pelo vírus mental da fé, e sua gangue de infecções secundárias, podem experimentar.
4. O paciente pode surpreender a si mesmo comportando-se de maneira intolerante em relação aos vetores das fés rivais, ou até mesmo, em casos extremos, matando-os ou advogando a sua morte. Ele pode se mostrar igualmente violento em sua disposição em relação aos apóstatas (pessoas que um dia abraçaram essa fé mas depois renunciaram a ela) e aos hereges (pessoas que desposam uma versão diferente da fé — com freqüência, o que talvez seja significativo, uma versão apenas ligeiramente diferente). Ele também pode se sentir hostil em relação a outros modos de pensamento que são potencialmente inimigos de sua fé, tais como o método do pensamento científico, que poderia funcionar como uma espécie de software antiviral.
(Richard Dawkins — O Capelão do Diabo, cap.3: A mente infectada, p.417 )
Humanidade e razão começaram o seu flerte há pouquíssimo tempo e os gestos ou movimentos de encontro ainda são muito tímidos. Mesmo que algumas das formas de construção de pensamentos se mostrem eficientes e potentes para expressar o aprendizado individual e coletivo, a escolha ainda recai para o assujeitamento aos discursos escravizadores*.

A ignorância, os sentimentos confusos e o medo (em seu estado primário diante das forças da natureza) são a matéria prima da constituição dos deuses. Seus porta-vozes apelam para discursos que os usam para capturar almas e ter indivíduos ou populações como serviçais voluntários. Desde os primórdios da humanidade, mitologias escravizaram corações e mentes.

Dito dessa forma, mesmo que cautelosamente, a reação coletiva é de rejeição: admitir a escravidão e buscar a libertação é algo para pouquíssimos – negação e acomodação tornaram-se amigas íntimas da parcela imensa da humanidade sem acesso ao conhecimento. As cavernas continuam sendo o lar daqueles que se algemaram ou se deixaram algemar por frases de efeito que promovem o terror perante a possibilidade do ciúme, da vingança ou do castigo de uma entidade qualquer. Submetidos a uma avaliação crítica, bastam segundos, na maioria das vezes, para esses discursos caírem por terra: mas frases repetidas incessantemente foram adotadas como 'verdades'.

Essa reflexão rejeita a submissão voluntária, aponta a sabedoria e a ciência como instrumentos de avaliação crítica e promotora da renovação humana e, em especial, as fragilidades promovidas a partir da opção pela ignorância ao invés do conhecimento.

Meu objetivo não é desqualificar ou destituir o poder da intuição, das sensibilidades espirituais e da fé: acredito que são capacidades que os seres humanos possuem de se integrar a um todo e compor as forças da vida. Mas o faço em relação aos que se usam delas para cooptarem incautos e, assim, manter seu status social e financeiro.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 03 de novembro de 2017.

* Nas palavras, bem humoradas mas ferinas, de Dawkins:
Descrever as religiões como vírus da mente é algo entendido às vezes como um sinal de desdém ou mesmo de hostilidade. As duas coisas são verdade. Frequentemente me perguntam por que me oponho tanto à 'religião organizada'. Minha primeira resposta é que também não sou exatamente simpático à religião desorganizada. Como um amante da verdade, suspeito das crenças firmemente defendidas que não encontram sustentação em nenhum tipo de evidência: fadas, unicórnios, lobisomens e todo outro elemento do conjunto infinito de crenças possíveis e irrefutáveis de que fala Bertrand Russell com sua imagem de um hipotético bule de porcelana chinesa girando em torno do Sol (ver “A grande convergência”, p. 258).
A razão pela qual a religião organizada merece franca hostilidade é que, diferentemente da crença no bule de Russell, ela é poderosa, influente, isenta de impostos e, além disso, sistematicamente transmitida a crianças que não têm idade suficiente para se defender.a Não forçamos as crianças a passar seus anos de formação memorizando livros lunáticos a respeito de bules. As escolas subsidiadas pelo governo não excluem as crianças cujos pais dão preferência a outros formatos de bule. Aqueles que acreditam no bule não apedrejam os ateus, os apóstatas, os hereges e os blasfemos em relação ao bule, até levá-los à morte. As mães não obrigam seus filhos a desistirem de se casar com shiksasb [Termo pejorativo que designa as mulheres não judias] cujos pais acreditam em três bules em vez de em um único bule. As pessoas que servem o leite primeiro não dão tiros no joelho daqueles que servem primeiro o chá. (Idem, p.344)

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