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17 de mai. de 2015

Encaixes

Encaixes, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 17/05/2015.
Encaixes, criado em 17/05/2015.

Se ficarmos juntos, terei que perdoá-lo muitas e muitas vezes, e, se você ainda me quiser, terá de me perdoar muitas e muitas vezes também — digo. Portanto, a questão não é o perdão. O que eu deveria estar tentando decidir é se ainda somos bons um para o outro ou não. […]
Eu costumava pensar que, quando as pessoas se apaixonavam, elas apenas iam aonde fossem levadas, sem ter qualquer liberdade de escolha a respeito disso depois. Talvez isso seja o caso no começo dos relacionamentos, mas não é o que está acontecendo agora.
Eu me apaixonei por ele, Mas não fico com ele de maneira automática, como se não existisse mais ninguém disponível para mim. fico com ele porque decido fazê-lo todos os dias quando acordo e sempre que brigamos, mentimos um para o outro ou nos desapontamos. Eu o escolho continuamente, e ele me escolhe também.

(Verônica Roth — Convergente, p.370-371)


Admita, pelo menos para si mesmo: as peças não encaixam. São parecidas, se estruturam de forma semelhante, por vezes com mesma textura e coloração. Isso provoca um gosto, um sentido, uma sensação estranha. Inquietude?

Há uma certa preferência em se crer nas composições perfeitas, estrutura construída por exímio relojoeiro formando uma engrenagem que mantém exatidão após muitos e muitos anos de uso contínuo.

Quem sabe, por isso, muitos não ousam produzir outras possibilidades de avaliarmos a vida? Mas isso exige uma performance racional a ser adotada, independente de se aceitar que irá melhorar ou piorar a questão.

Você poderia entendê-la como um quebra cabeça, cujas peças estão por aí, em algum lugar, esperando que as encontremos e consigamos localizá-la na posição ideal entre as outras. Quem sabe, outra ideia, um labirinto com sinuosidades, com possibilidade de única entrada-saída? Simplificar facilita! Que tal desenvolver um conto de fadas, de deuses, de romance, de vitórias e conquistas esperando na ponta do túnel, mesmo que não tenhamos qualquer vislumbre dela? Quem sabe inventar uma outra solução para o impasse?

Acredito ser assim que conduzimos as nossas questões diárias, exotéricas ou filosóficas: por total falta de compreensão sobre a amplitude do que é agir, manejamos a melhor maneira de representá-las, de construir um significado e dar um sentido para ir ao seu encontro e encará-las.

Pode parecer depressivo ou depreciativo olhar a vida desse modo. Mas não é! A vontade, esse elemento constitutivo da vida e produtor das diversas formas de agir, só pode ser iniciada em si. Afirmar que é estimulado pelo que está fora de nós é uma maneira frágil de expressar a força que projetamos na realidade que nos constitui. Não é o outro que é amável, nós projetamos a amabilidade nele. Questione-se: se fosse algo inerente ao ser, todos teriam que considerá-lo da mesma maneira. E não é o que acontece, certo?

Isso não quer dizer que a natureza não apresenta a questão das combinações estruturantes, do contrário não haveria vida como a entendemos — a composição de combinações a partir do carbono e do oxigênio encapsuladas em campos permeáveis*, é uma delas. Aqui, as variações são a matéria prima de sua formação, não a exatidão do encaixe.

A existência, enquanto um modo particular de vivência, pode ter uma estratégia muito peculiar de se expandir por meio de encontros. Ora fragmentadores, ora aglutinadores, o que se percebe é que não há perdas, não há o sentido de tristeza ou dor, há reconstituições amplas e inequivocamente diferenciadas. Mesmo quando ocorre uma proximidade imensa de semelhança, há detalhes que singularizam.

A vida é a diferenciação na prática. Nós é que estabelecemos a ilusão da igualdade. Não que esta não possua uma função importante, mas não deve ser levada ao pé da letra. É apenas uma parábola que nos ensina sobre a proximidade e o sentido de semelhança. A partir dela, podemos extrapolar para outros campos o fato de que, em apenas uma pequena folha, há os componentes necessários para o desenvolvimento de uma nova árvore. Assim, tudo se encaixa.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 17 de maio de 2015.

* Segundo a explicação científica atual, o todo é estruturado a partir de elementos básicos gravitando e gerando modificações no tecido apreendido pelos sentidos que dispomos para gerar o que denominamos de realidade.

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